Mudanças profundas na via econômica de estados e municípios foram apresentadas pelo Governo Federal. Nesta terça-feira (5), foi entregue ao Senado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com condições que podem alterar a viabilidade das localidades. Uma das medidas que já gera polêmicas é a extinção de pequenos municípios sem capacidade para se manterem.
O Governo quer reduzir o número de cidades pequenas sem autonomia financeira existente no País. No documento entregue pelo presidente Jair Bolsonaro aos parlamentares, municípios com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da sua receita total serão incorporados pelo município vizinho.
Em Pernambuco, duas cidades seriam extintas por não estarem dentro das regras, se aprovada a PEC: Ingazeira e Itacuruba, ambas localizadas no Sertão pernambucano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que no censo de 2019, Ingazeira tem uma população de 4.548 pessoas. O percentual das receitas de fontes externas é de 95,1%, no último levantamento, de 2015. Isso significa que sua receita própria é de 4,9%. O IBGE também revela que a população de Itacuruba é de 4.918 pessoas. A receita de fontes externas é de 91,8 %. Ou seja, a receita própria é de 8,2%.
Por isso, esses dois municípios passariam a ser integrados a cidades vizinhas. Ao todo, no Brasil, estariam na lista 1.253 municípios, segundo o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. De acordo com o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota, a medida surpreendeu o gestor. “Fui surpreendido com a profundidade da proposta porque, se analisarmos tecnicamente, é algo explosivo que mexe na Constituição. Só para se ter uma ideia, a maioria dos municípios do Nordeste com população de até 50 mil pessoas, não alcançam os 10% de arrecadação própria”, criticou Patriota, ao complementar que ainda estudará toda a proposta.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, afirmou que o Governo se equivoca ao afirmar que os recursos repassados aos municípios como parte da arrecadação de Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), por exemplo, não são receitas próprias. "Transferência obrigatória constitucional não é arrecadação própria? A competência de arrecadação é da União, mas a Constituição diz que parte (do recurso) é do município. Os municípios produzem, e quem arrecada nas costas deles são os estados e a União", afirmou. Ainda segundo Aroldi, se for computada como arrecadação própria apenas as receitas com IPTU, ITBI e ISS, praticamente nenhum município com até 5.000 habitantes poderá continuar existindo. Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira dos Municípios (ABM), Ary Vanazzi, afirmou que a fusão de municípios não deve passar no Congresso.
"Essa questão de incorporação de municípios é um bode na sala, isso não se sustenta politicamente nem tecnicamente. Principalmente num ano eleitoral", afirmou. Da mesma forma, o prefeito de Ingazeira, Lino Olegário, disse que o texto não deve ser aprovado. “Acho que essa matéria não vai avançar. Ingazeira tem 56 anos de emancipação e defendo que ela não seja extinta”, ressaltou. A reportagem tentou entrar em contato com o prefeito de Itacuruba, Bernardo Maniçoba (MDB), mas não obteve sucesso.
Impactos
Os efeitos da extinção de municípios ultrapassam o impacto fiscal. O presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Marcos Loreto, ressalta o laço cultural e político que envolve a identidade dos municípios. "Eu tenho preocupação em analisar a situação dos municípios somente pelo prisma dos números. Existe uma população que nasceu no município, que se identifica com o município e, de repente, vê ele ser excluído. Sou contra a criação de municípios de forma indiscriminada, mas fico preocupado com a análise do aspecto humano. É uma discussão muito complexa, não será algo simples e esse debate contará com a sensibilidade dos deputados", ponderou.
Já o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Dirceu Barros, avalia que há um impacto também na prestação jurisdicional nos municípios, influenciando na cidadania e combate ao crime. "No momento em que é extinto um município, é preciso analisar o impacto que vai causar. Muitas cidades contam com um promotor, um juiz, um fórum. Gera uma economia ao Judiciário enxugar essa estrutura, mas não vai ter mais a prestação desse serviço de imediato ao cidadão. A economia não pode causar um prejuízo maior no combate ao crime e na cidadania", avaliou.
O procurador do Ministério Público de Contas (MPCO), Cristiano Pimentel, pondera que o principal avanço da medida é a inibição da criação de novos municípios no Estado. "Apesar da medida não ter muito impacto em Pernambuco, já que apenas dois municipios tem menos de 5 mil habitantes no Estado, ela é importante porque inibe mais de 30 projetos de criação de novos municípios sem força econômica para sustentar suas próprias instituições como maioria dos municipios pernambucanos, que dependeriam de transferências federais e estaduais para sobreviver", avaliou. O procurador afirma que cada município novo criado envolve gastos com estrutura que muitas vezes não consegue ser suportado pelos cofres públicos.
Atualmente, a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios no Brasil. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) condicionou a criação de novos entes a edição de lei federal regulamentadora que até hoje está pendente.
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